Eu perdi um pedaço de mim.
Nós, seus amigos, perdemos um pedaço de nós.
O país perdeu um pedaço de si.
Pedaços incalculáveis.
Mas assim haja corações e olhos e estômagos e miolos
para descobrir apreciar e estudar
a maneira como ele tratou das paixões
as suas e as nossas.
Se quisermos entender o seu enorme contributo
para a arte contemporânea
e para pensar Portugal
(também a partir da cultura popular)
talvez mais valha ouvir
um troço de escrita
de uma carta de trabalho que dele recebi
quando preparávamos o seu último filme
ainda por estrear…
9 de março de 2009
em são vicente há ainda
hoje quase centenários,
quase anões,
proprietários de velhíssimos moinhos,
que continuam a voltar a esses lugares ruínas,
a falar à brasileira,
depois de estarem emigrados
também em espanha e em frança...
eles fazem pescarias de grossas enguias nos ribeiros lusos
e guardam as bichas em guarda-chuvas pretos,
virados do avesso para elas não conseguirem fugir
embora escorreguem
escorreguem sempre...
as memórias amorosas
destes velhos de torna-viagem
(quantas vezes racistas)
davam um romance do céline!!!
lembro-me agora também
aquele casal velhíssimo de dançarinos da noite de são joão
no rio do ouro,
que se gabava de ter fugido à guerra de 14-18,
indo ele morar secretamente com a namorada,
sem a família da moça saber...
no meu filme
eles dançaram aquele texto imortal
os versos do ladrão que eu quero repetir no furadouro
se eu fosse ladrão roubava...
roubava aquela menina
roubava a filha ao rei,
fazia-a desgraçadinha...
regina, já é um pouco tarde,
amanhã haverá mais alguma coisa…
Regina Guimarães
29 de Dezembro de 2012